A maioria que possui um carimbo com CRM sabe do problema de saúde pública que se tornou a “renovação de receitas azuis”.
Quem já não atendeu pessoas que tomam indiscriminadamente seu bom e velho “am”? Os “am” da vida como dizepam (Valium ®), bromazepam (Lexotan ®), clonazepam (Rivotril ®), Cloxazolam (Olcadil ®), alprazolam (Frontal ®), midazolam (Dormonid ®), lorazepam (Lorax ®), flurazepam (Dalmadorm ®) e outros “am” são medicações da classe dos benzodiazepínicos (BDZ), todos “primos entre si”.
BDZ são medicações com efeito no sistema nervoso central através da estimulação do receptor cerebral inibitório GABA que tem efeitos sedativo, ansiolítico, hipnótico, anticonvulsivante e relaxante muscular. Então, para tratar insônia ou para melhor lidar com as frustrações da vida e ansiedade, muitos tomam seu tarja preta há anos, outros décadas, sem contar as vezes em que se misturam 2 ou mais.
Mas veja, para cada caixa (ou 3 caixas) que uma idosa com mais de trinta anos de uso de dizepam tomou, houve um médico prescrevendo por trás, “renovando” cada receita azul, muitas vezes sem perguntar indicação, tempo de uso ou quem a acompanha…
Ou seja, a despeito de necessitar de receita médica controlada (azul) para cada caixa comprada, a grande maioria das pessoas faz uso dessas medicações sem uma indicação clínica formal, sem acompanhamento e sem controle. É aquela renovação de receita que se faz para ser legal (pedido de amiga da prima do tio de num sei quem mais lá…) ou para “ajudar” alguém ou para evitar “perder tempo” quando se pede ao final de uma consulta…
As consequências são o abuso que leva à tolerância e dependência. Os efeitos de sonolência, letargia, hipovigilância, hipotenacidade e abstinência podem trazer consequências graves a curto prazo, especialmente quando o usuário encontra-se ao volante, em uso de maquinário, em ambiente aquático, etc e mais ainda quando há interação com álcool e outras medicações sem orientação.
Infelizmente, quando há dependência, não é possível suspender abruptamente a medicação. Nesses casos, busco saber a indicação, tempo de uso, quem acompanha e, quando necessário, prescrevo uma caixa da medicação e traço um plano de desmame, substituição e “higiene do sono”, já que essa é a principal indicação.
Resumo da ópera:
BENZODIAZEPÍNICOS, em geral, SÃO MEDICAÇÕES PARA USO POR CURTO
PRAZO EM SITUAÇÕES CLÍNICAS ESPECÍFICAS
Após essa longa introdução, trago um artigo publicado no BMJ em setembro desse ano:
Clique no link acima para a íntegra free. Segue abaixo Abstract.
Objective: To evaluate the association between use of benzodiazepines and incident dementia.
Design: Prospective, population based study.
Setting: PAQUID study, France.
Participants: 1063 men and women (mean age 78.2 years) who were free of dementia and did not start taking benzodiazepines until at least the third year of follow-up.
Main outcome measures: Incident dementia, confirmed by a neurologist.
Results: During a 15 year follow-up, 253 incident cases of dementia were confirmed. New use of benzodiazepines was associated with an increased risk of dementia (multivariable adjusted hazard ratio 1.60, 95% confidence interval 1.08 to 2.38). Sensitivity analysis considering the existence of depressive symptoms showed a similar association (hazard ratio 1.62, 1.08 to 2.43). A secondary analysis pooled cohorts of participants who started benzodiazepines during follow-up and evaluated the association with incident dementia. The pooled hazard ratio across the five cohorts of new benzodiazepine users was 1.46 (1.10 to 1.94). Results of a complementary nested case-control study showed that ever use of benzodiazepines was associated with an approximately 50% increase in the risk of dementia (adjusted odds ratio 1.55, 1.24 to 1.95) compared with never users. The results were similar in past users (odds ratio 1.56, 1.23 to 1.98) and recent users (1.48, 0.83 to 2.63) but reached significance only for past users.
Conclusions: In this prospective population based study, new use of benzodiazepines was associated with increased risk of dementia. The result was robust in pooled analyses across cohorts of new users of benzodiazepines throughout the study and in a complementary case-control study. Considering the extent to which benzodiazepines are prescribed and the number of potential adverse effects of this drug class in the general population, indiscriminate widespread use should be cautioned against.