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domingo, 22 de abril de 2012

Como fazer Hidratação Venosa?

Hidratação Venosa - conceitos

Caros amigos,

No nosso último CCC, discutimos um pouco sobre os conceitos de uma das coisas mais comuns da prática hospitalar: a prescrição de hidratação venosa.

A hidratação venosa, muitas vezes prescrita de forma empírica e automática, deve ser considerada como qualquer outra terapêutica farmacológica, tendo sua composição, volume, forma, velocidade de administração e indicação cuidadosamente avaliados e individualizados.

O primeiro passo na prescrição da hidratação venosa é avaliar qual o objetivo dessa hidratação, que pode ser basicamente:

  1. EXPANSÃO
  2. REPOSIÇÃO
  3. MANUTENÇÃO


A expansão volêmica tem por objetivo restabelecer a euvolemia. Presume que o paciente esteja hipovolêmico. Entretanto, para embasar essa presunção, não priorizar somente números como PVC ou PAi, mas sim "o conjunto da obra". Esse "conjunto" vai englobar tanto esses números, mas, de forma não menos importante, paramêtros clínicos, por muitas vezes esquecidos, como sede, turgor de pele, enchimento capilar lentificado, diminuição de débito urinário (não somente no paciente sondado), alteração do sensório e mais do que óbvio, como o nome diz, os sinais vitais.

Seguindo com expansão volêmica, observa-se um erro, muito comum, que é expandir volemia com aumento de hidratação de manutenção. Ou seja, se avalia um paciente como hipovolêmico e se aumenta ou se inicia uma hidratação de manutenção com gotejamento para 24 horas. O gráfico abaixo é muito feliz em demonstrar a diferença entre "expandir" com aumento de manutenção e expandir com expansão propriamente dita. Observe que, eventualmente, mesmo com aumento de hidratação de manutenção (linha pontilhada), o paciente pode chegar a euvolemia, mas perde-se um tempo que pode ser valioso em que o paciente permanece hipoperfundido em seus órgãos e tecidos, quando comparado à expansão. Outro problema, é que se não reavaliada regularmente, tal conduta pode ainda levar para o outro extremo da hipervolemia iatrogênica, levando à prescrição em cascata de diuréticos etc. 


Podemos expandir com cristalóides ou colóides, mas preferencialmente utilizamos os primeiros (SF 0,9%, RL). Atentar que expansão se faz de forma rápida, que pode ser diferente de simplesmente "abrir o soro". Em geral, 500 ml devem ser infundidos em 10-15 minutos, podendo ser necessário que se troque ou pegue outro acesso venoso e ainda que se "esprema" o soro manualmente ou sob pressão. Fica a dica de utilizar o manguito do tensiômetro para isso, se não for disponível material próprio (Até 250 mmHg comigo, nunca estourou).


Cardíacos e que tenham restrição a volume, se hipovolêmicos, devem ter sua expansão feita de forma igualmente rápida, porém em menores alíquotas (50-250 ml). E como em toda intervenção, devemos sempre avaliar o seu efeito. A cada fase, ver como se comportam PA, pulso, FR, ausculta cardíaca e respiratória, sensação de dispneia, sensório e, se disponíveis, demais parâmetros como spO2 e os invasivos (PVC, SvcO2, PAi, lactato, Swann-Ganz etc.). 

IMPORTANTE! A expansão volêmica guiada por PVC e sua variação, isoladamente, não passa de jogar uma moeda, com acurácia de 51%, como podemos ver em Chest 2008;134;172-178 

Quando se deseja verificar resposta a volume, sem entretanto infundir volume, e, especialmente quando presentes arritmias ou ventilação mecânica espontânea, pode-se recorrer a uma manobra muito interessante chamada de passive leg raising (Crit Care Med. 2006 May;34(5):1402-7. Passive leg raising predicts fluid responsiveness in the critically ill. ;  Crit Care Med. 2010 Mar;38(3):819-25. Passive leg raising is predictive of fluid responsiveness in spontaneously breathing patients with severe sepsis or acute pancreatitis) Dois vídeos sobre como funciona o passive leg raising podem ser vistos abaixo (ignorem a propaganda):







Já quando falamos em hidratação para reposição, devemos ter em mente reposição de perdas, que é diferente de manutenção. Repõe-se o que se perde. Exemplos são diarreia, vômitos, sudorese profusa, derrames, sondas com altos débitos… Nesse caso, as perdas são estimadas de acordo com sua composição. Uma tabela útil retirada do Current Medical Diagnosis and Treatment e demonstra que tipo de solução repor de acordo com o que se perde. Veja abaixo. Quando não se sabe a composição, é possível mandar para o laboratório para avaliação.




Com relação à manutenção, deve-se entender, especialmente no caso de um paciente que esteja em dieta zero, que ela deve compor as necessidades diárias para manutenção da homeostase sendo composta pelo menos por água, sódio, potássio e glicose. Assim, independentemente dos níveis séricos, esses componentes devem ser "mantidos". Ou seja, no exemplo de um paciente com TGI obstruído que esteja de dieta zero, não precisamos esperar que o potássio caia para adicioná-lo na manutenção (nesse caso, seria reposição). Claro, acompanhar função renal, contexto clínico etc. é indispensável. A glicose também deve ser sempre adicionada para evitar o catabolismo protéico. 

IMPORTANTE! Não guiar necessidade de glicose por glicemias capilares. Caso a glicemia esteja alta, adicionar a glicose necessária e conjuntamente a insulina necessária para controle glicêmico (E, pelo amor de Deus, esqueçamos a entidade esquema móvel de insulina: Não só não presta, como piora prognóstico - tema pra outro post…). 

Magnésio e Cálcio devem ser mantidos após uma semana de dieta zero e caso a perspectiva seja de que essa situação se continue, não devemos postergar NPT (nutrição parenteral total).

Vimos que várias são as fórmulas para esta estimativa que podem ser utilizadas e uma que pode ajudar é a de Holliday-Segar (inclusive usada em pediatria).




Para facilidade e comodidade de prescrição, todas essas hidratações podem ser prescritas separadamente.

Finalizando, é mister entender que essas fórmulas traduzem um ponto de partida e não prescindem de avaliação clínica e laboratorial frequentes pelas quais essas composições podem ser bem modificadas.


SUMÁRIO:

  • Sempre ter em mente o objetivo pelo qual se prescreve uma hidratação venosa
  • Expansão volêmica deve ser feita de preferência com cristalóides, em alíquotas e e de forma rápida (p. ex. 500 ml em 10-15 minutos)
  • Leg raising pode ajudar a avaliar resposta a volume
  • Não expandir com aumento de hidratação de manutenção
  • Avaliar perdas para cálculo de reposição
  • Não aguardar repercussão clínico-laboratorial para manter água, sódio, potássio e glicose em paciente de dieta zero por mais de 24h
  • Reavaliação clínico-laboratorial frequentes são indispensáveis para seguimento.
Abraços,

Rainardo.

18 comentários:

  1. Tema muitas vezes posto de lado, em termos práticos, na faculdade... Muito bom o tempo, Rainardo! Obrigada :)

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  2. Excelente exposição!!! Um tema importantíssimo no dia-a-dia....

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  3. Adorei , vc tem o dom de tornar as coisas claras...

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  4. Só lembrando que deve-se evitar infundir cálcio e magnésio na mesma solução, pois podem formar um precipitado.
    Raquel Feijó

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  5. Perfeito!!!! ;) Justamente o que eu estava procurando...

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  6. Pode me dizer a fonte de estudo utilizada?

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  7. Mto bom!! Um tema que você acaba deixando de lado e faz empiricamente (de forma errada!). Estou aguardando o parte 2. 👏🏼
    Erika Ogawa

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  8. O q ocorre em paciente com alta dose d hidratacao venosa?

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  9. Muito claro.Gostaria de saber se na Nvidia do idoso,idoso,mantem-se essa mesma Cota hidríca?ouse faz-se restrição?

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