Pesquisar no blog...

terça-feira, 21 de maio de 2013

Médicos cubanos: Qual o problema?

Caros,

A iminência de um decreto para que 6 mil médicos cubanos exerçam a medicina em território brasileiro com revalidação automática dos seus diplomas, sem o controle de suas qualificações, me traz preocupação. Me parece um momento político conturbado para a saúde e temo os efeitos dessa prática.


Publico minha opinião relativa à proposta em si e alguns fatos:

# QUAL O PROBLEMA DE SE TRAZER MÉDICOS CUBANOS PARA O BRASIL?

Não vejo problema de médicos cubanos trabalharem no Brasil. Ou médicos de Portugal, ou Espanha, ou Índia, ou Japão, ou ou ou. O problema está na REVALIDAÇÃO AUTOMÁTICA de diplomas, ou seja, em não se utilizar um instrumento validado para comprovar a aptidão a essa tarefa. Pessoalmente, não sou contra pessoas de qualquer local do mundo, qualificadas, compartilharem comigo e outros colegas a prestação do cuidado à saúde que a população merece e tem direito.

# COMO SE AVALIA ATUALMENTE OS MÉDICOS FORMADOS NO EXTERIOR QUE DESEJAM TRABALHAR NO BRASIL?

O REVALIDA existe como processo de caráter unificado e nacional de revalidação de diplomas promovido pelo MEC e endossado pelo Ministério da Saúde. É  uma  avaliação teórica composta por fases de prova múltipla escolha e prova discursiva. Apesar de prova teórica não ser a forma ideal de se avaliar a capacidade de exercer a medicina com qualidade (o ideal é avaliar conhecimentos, habilidades e atitudes - o saber, saber fazer e fazer), o REVALIDA é aprovado pelo CFM, FENAM e AMB como balizador mínimo para o exercício da profissão. É considerado apto quem consegue aproveitamento de 57,5% (cinquenta e sete vírgula cinco por cento) na prova e proficiência na língua. Após a certificação, o médico fica regido por todas as regras do CRM/CFM. Sim, infelizmente a fiscalização não é eficaz, nem mesmo para os médicos formados no Brasil. Nesse caso, voltemos o foco para corrigir essa situação, não perpetuá-la.

# A PROVA DO REVALIDA É DESPROPORCIONALMENTE DIFÍCIL?

NÃO. Clique no link para ver as provas discursivas: PROVA REVALIDA de 2011 e  PROVA REVALIDA de 2012.
Os temas foram diagnóstico e tratamento de: tuberculose, pré-eclâmpsia, apendicite aguda, hipotiroidismo congênito, pneumonia comunitária, faringite estreptocócica, gravidez ectópica, obesidade infantil (plotar nos graficos de peso e crescimento) e lombalgia. Justamente assuntos da atenção básica e atendimento primário. Nada de rodapé de livro. Aproveitamento de mais de 57,5% resultaram em aprovação.

# COMO FOI O RESULTADO DO REVALIDA EM 2011 E 2012?

Dentre os 677 candidatos inscritos no Revalida 2011, 536 participaram efetivamente das provas escritas. Passaram para a segunda fase: 96. Aprovados no final das provas e aptos a revalidar o seu diploma no Brasil, 65 médicos, 12,12%, do total inicial. Estes 65 profissionais da Medicina, de diversas nacionalidades, obtiveram seus diplomas em 11 países: 15 em Cuba, 14 na Bolívia, 13 na Argentina, 6 na Colômbia, 5 no Peru, 4 na Venezuela, 3 no Equador, 2 na Nicarágua, 1 no Paraguai, 1 na Alemanha e 1 na França. Íntegra da notícia em:
http://www.portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=22536:revalida-2011-resultado-final&catid=46

Dos 884 candidatos inscritos para a edição de 2012 do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições Estrangeiras (Revalida), apenas 77 terão o direito de exercer a medicina no Brasil. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), o percentual de aprovação - de 8,71% - é inferior ao verificado na primeira edição do exame, em 2011, quando 9,60% dos candidatos conseguiram a revalidação. Íntegra da notícia em:
http://noticias.terra.com.br/educacao/revalida-com-92-reprovados-cfm-cobra-rigor-com-medicos-de-fora,d34d67560b19c310VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html

# ATUALIZAÇÃO!!! COMO SE SAIRIAM OS BRASILEIROS NO REVALIDA?

A prova do REVALIDA foi aplicada de forma experimental para os internos do sexto ano de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (que não estavam se preparando para esta prova). Obtiveram mais de 70% de aprovação. Vejam o jornal completo em http://portal.cfm.org.br/images/stories/JornalMedicina/2013/jornal%20221.pdf . Abaixo segue uma matéria também.



# MAS PARA TRATAR “SÓ” AS COISAS SIMPLES NÃO É MAIS “TRANQUILO”?

Não existe meio médico no Brasil (como existiam na China os barefoot doctors). É médico. Patologia não lê livro para vir sempre igual. Não existe uma regra SIMPLES para saber quem vai ter uma doença mais complicada que outro, mesmo com os mesmos sintomas. Distinguir se um sintoma será simples e auto-limitado ou se esse sintoma vai ser conjunto de uma doença mais grave muitas vezes não é fácil. Por isso não se pode abrir mão de qualidade mínima. Erros médicos existem e sempre existirão (outro tema tabu), mas a sua existência não pode ser desculpa para criar um contexto em que se pode amplificá-los.

# MÉDICOS BRASILEIROS SÓ SABEM TRABALHAR COM EXAMES E TECNOLOGIA?

A tendência nacional no ensino médico é seguir a Medicina Baseada em Evidências e fortalecê-la. Sabemos que até 80% do diagnóstico dos pacientes ambulatoriais podem ser dados com anamnese + exame físico (British Medical Journal,1975,2,486-489). Tal perfil também foi comprovado recentemente em pacientes de emergência (Arch Intern Med 2011 Aug 171(15) 1934-1936), valendo ler o interessante editorial anexado.

Os exames complementares tem papel adjunto em aumentar o rendimento diagnóstico quando solicitados com base na anamnese e exame físico. Nosso Código de Ética Médica nos orienta que é vedado ao médico:
Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.
Mas isso não implica que saúde de qualidade seja pedir uma ressonância para toda dor de cabeça ou uma cintilografia miocárdica para toda dor torácica. Devemos basear nossa conduta em evidências, pois esse equilíbrio é necessário em qualquer sistema de saúde, quer público ou privado, para se manter viável. Além disso, exames isolados raramente ajudam, e inclusive, quando impróprios, podem ter achados sem valor que levam a uma cascata de investigação que aumenta morbidade e mortalidade ao chegarem a ser mais invasivos.

Os exames complementares também aumentam a sensação de segurança no diagnóstico. Em média, a confiança no diagnóstico médico passa de 7.1 (anamnese), para 8.2 (anamnese + exame físico), para 9.3 (anamnese + exame físico + exame complementar) em uma escala de 0 a 10 (West J Med 1992 Feb; 156:163-165). Tanto para o médico, quanto para o paciente é importante não buscar a falsa sensação de saúde em números ou imagens.

Esse exercício e reflexão na avaliação clínica devem ser sempre reforçados para garantir o equilíbrio entre o pedir demais e o pedir de menos.

# E A PROMOÇÃO DE SAÚDE E PREVENÇÃO DE DOENÇAS?

Todos profissionais de saúde tem um papel na promoção da saúde e prevenção de doenças. Mas como falar de prevenção e promoção efetiva onde não há educação (se dizer alfabetizado quem sabe desenhar o nome), falta saneamento básico, não se tem água potável, há insegurança alimentar, insegurança física, as moradias são indignas, não há estrutura para a prática de esportes, atividade física ou exposição à cultura? Isso o médico não vai resolver.

# POR QUE O MÉDICO NÃO VAI PRO INTERIOR?

Como esperar que um médico se fixe a um lugar sem concurso ou direitos trabalhistas, onde ele não tem um plano de cargos, carreiras e salários, o vínculo é precário, dão calote, que sua segurança no trabalho está atrelada ao humor / mandatos dos prefeitos, que vereadores querem definir sua agenda,  ele não tem voz para definir estratégias, que não há apoio estrutural mínimo e, nem de longe, há estímulo e incentivo à educação continuada?

Espanta localidades que oferecem 35 mil reais e estão sem médicos? Não há possibilidade de se traçar um projeto de vida para médio ou longo prazo nessas circunstâncias. Então, trabalho no interior, com algumas exceções, é visto como algo temporário, uma ponte para o recém-formado ou um porto para o recém-aposentado. Os que se aventuram, quando saem, por vezes ainda são tratados como se cometessem um pecado capital e fossem mercenários indignos por não atuar com uma vocação missionária do sacerdócio médico...

Isso só pra falar alguns dos temas relacionados à carreira, pois se pensar em família, como se fixar num local em que, em conjunto com a falta de saúde, não há educação de qualidade para os filhos, possibilidades de lazer e esportes são pífios, a segurança física é ameaçada tanto nas cidades como nas estradas?

# FIXAR A PESSOA OU O CARGO?

Se não se consegue fixar uma pessoa, é possível fixar um médico? Uma solução que vejo para isso e defendo muito é a possibilidade da carreira de estado para médico. Quando um juiz ou oficial de justiça assume um concurso com um bom salário em uma localidade distante, creio eu, que ele não esteja com o intuito imediato se fixar a esse local. Mas fica 2, 3, 5 anos ou mais porque sabe que há perspectivas de ascensão na carreira e vai subindo de entrâncias passando por cidades maiores. Chegar em Fortaleza, por exemplo, pode demorar 10, 15, 20 anos ou mais. Mas se quiser se fixar, ele fica na localidade, ponto. Por que algo do gênero não pode acontecer com médicos?

PS: Isso em muito difere do PROVAB, que sou contra…

# MÉDICO É A SOLUÇÃO PARA A SAÚDE?

O sistema de saúde não é composto apenas por médicos. Necessita também de enfermeiros, técnicos, farmacêuticos, fisioterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionistas, educador físico e mais tantos profissionais da saúde, cada qual com sua demanda para promoção, prevenção e terapêutica. Não se engrena bem a saúde sem a articulação dessas peças em conjunto.

Os médicos não tem como desempenhar o papel de múltiplos profissionais de saúde, nem são alternativa para saneamento básico, educação, alimentação, moradia etc.

Querer responsabilizar o médico e a falta dele em locais em que não há condições dignas de trabalho pelo estado caótico em que se encontra a saúde é uma covardia dupla. Primeiramente por ser uma expectativa injusta da classe médica, segundo, porque exime da responsabilidade os verdadeiros culpados que não priorizam com investimentos e atitudes a saúde.

# DECISÃO TÉCNICA OU POLÍTICA?

Outra coisa incongruente, mas particularmente recorrente na máquina do nosso governo: Querer resolver problemas técnicos (saúde) com canetadas eminentemente políticas. Ao se pensar em importar 6 mil médicos, como é que não se sentou antes com o CFM, FENAM e AMB para discutir essas ideias? Será que não se teria produzido uma alternativa mais adequada e se evitado um desgaste desnecessário?

# QUAL SERIA O VÍNCULO DESSES TRABALHADORES?

Temo ainda como seria pactuado o trabalho desses médicos. Quais os termos do acordo? Os médicos teriam direito a voz, a reclamar, a fazer greve, a reivindicar por melhores condições de trabalhos? Ou existiria um sistema de encoleiramento, um tapa-boca no sentido de “veio pra cá, sabia como era… Se não quiser, tem quem queira…”. Seriam representados pelos conselhos e entidades médicas?

# TERMINANDO...

Essa proposta me parece mais um patch, um remendo, um curativo temporário, uma operação tapa-buraco num momento político, pelo menos suspeito. Simplesmente empurrar seis mil médicos, sem garantia mínima de qualidade, no interior, sem aumento proporcional de infraestrutura, insumos e apoio é vender saúde por lebre e querer instituir a responsabilidade total da saúde nas costas dos médicos.

Acho que precisamos refletir bem… Comentários?


Um comentário: