http://www.bbc.co.uk/arts/yourpaintings/paintings /sarah-dillwyns-deathbed-224867 |
Lendo um Perspectivce Article de David J. Rothman no NEJM recentemente, uma estatística me chamou atenção: Um quinto dos americanos tem seu leito de morte na UTI! E 30% passaram por uma UTI pelo menos um mês antes de sua morte.
Será que nossa ideia de fazer tudo por um familiar, amigo ou paciente significa sempre colocá-lo ligado por cabos e tubos à maior tecnologia possível? Será que isso é sempre o melhor que se pode fazer?
Não falo aqui do paciente com uma intercorrência aguda, muitas vezes previamente saudável, como um jovem após um acidente automobilístico, mas principalmente dos pacientes em que a natureza já se encarregou de desenhar para nós o seu caminho, próximo, inexorável.
Talvez a fantasia de que "fizemos todo o possível" por nosso querido ente seja uma fantasia que se presta muito mais a amaciar nossa consciência, amenizar a culpa (de médicos e familiares) e nos justificar para a sociedade do que realmente fazer um bem a quem morre.
Historicamente, morríamos em casa junto à família, aos amigos e à comunidade que pertencíamos. Vejam a ilustração acima. Nem crianças precisavam ser "poupadas". Enfim, era um acontecimento da vida, pois como se diz, para morrer, basta estar vivo. Algumas outras mortes ocorriam mais distantes, com as guerras, mas a ideia de não ser alguém próximo a fechar os olhos do morto trazia frustração para a maioria das famílias. Quantas não foram as descrições de enfermeiras a relatar soldados que pediam que elas assumissem o papel de mãe e assim as chamavam no leito de morte?
Mas a medicina desenvolveu-se e trouxe consigo a primeira separação da morte que veio com a criação dos hospitais. Separou-se a pessoa da comunidade. A morte ficou mais distante... Próxima de um ou outro acompanhante e alguns visitantes em horários de visita pré-definidos. E então veio a dupla separação. O paciente foi segregado pela segunda vez dentro do próprio hospital. Foi para UTI. Sem acompanhante, só com horários de visita restritos. E a morte cada vez mais distante, mais escondida... Hoje em dia, um tabu.
Não se pode condenar a existência de hospitais, UTIs e tecnologia de ponta que salvam muitas vidas. São necessários! Mas reflito sobre a nossa forma de encarar e proceder como profissionais, familiares e amigos frente à morte e ao processo de morrer. Um agravante nesse processo é que parece que todos sabem o que é o melhor para o doente/paciente, mas a figura que usualmente menos se ouve para saber de preferências e desejos é justamente a figura do próprio "morrente", o maior interessado.
Será que nossa ideia de fazer tudo por um familiar, amigo ou paciente significa sempre colocá-lo ligado por cabos e tubos à maior tecnologia possível? Será que isso é sempre o melhor que se pode fazer?
Não falo aqui do paciente com uma intercorrência aguda, muitas vezes previamente saudável, como um jovem após um acidente automobilístico, mas principalmente dos pacientes em que a natureza já se encarregou de desenhar para nós o seu caminho, próximo, inexorável.
Talvez a fantasia de que "fizemos todo o possível" por nosso querido ente seja uma fantasia que se presta muito mais a amaciar nossa consciência, amenizar a culpa (de médicos e familiares) e nos justificar para a sociedade do que realmente fazer um bem a quem morre.
Historicamente, morríamos em casa junto à família, aos amigos e à comunidade que pertencíamos. Vejam a ilustração acima. Nem crianças precisavam ser "poupadas". Enfim, era um acontecimento da vida, pois como se diz, para morrer, basta estar vivo. Algumas outras mortes ocorriam mais distantes, com as guerras, mas a ideia de não ser alguém próximo a fechar os olhos do morto trazia frustração para a maioria das famílias. Quantas não foram as descrições de enfermeiras a relatar soldados que pediam que elas assumissem o papel de mãe e assim as chamavam no leito de morte?
Mas a medicina desenvolveu-se e trouxe consigo a primeira separação da morte que veio com a criação dos hospitais. Separou-se a pessoa da comunidade. A morte ficou mais distante... Próxima de um ou outro acompanhante e alguns visitantes em horários de visita pré-definidos. E então veio a dupla separação. O paciente foi segregado pela segunda vez dentro do próprio hospital. Foi para UTI. Sem acompanhante, só com horários de visita restritos. E a morte cada vez mais distante, mais escondida... Hoje em dia, um tabu.
Não se pode condenar a existência de hospitais, UTIs e tecnologia de ponta que salvam muitas vidas. São necessários! Mas reflito sobre a nossa forma de encarar e proceder como profissionais, familiares e amigos frente à morte e ao processo de morrer. Um agravante nesse processo é que parece que todos sabem o que é o melhor para o doente/paciente, mas a figura que usualmente menos se ouve para saber de preferências e desejos é justamente a figura do próprio "morrente", o maior interessado.
Há uma tendência de descenso nessa estatística de morte hospitalar, provavelmente graças a toda uma discussão de morte digna e à ascensão dos cuidados paliativos como instrumento de cuidado. Modificações de posturas e quebra de protocolos em hospitais e UTIs a permitir mais contato, enfim mais liberdade, autonomia e escolhas para quem está a morrer. Ainda assim, esses números são muitos altos e essa discussão com o "morrente" usualmente é tardia, por vezes, quando tem sua capacidade de decidir já abalada.
Parece que a morte e o morrer é algo a ser escondido. Percebem como muitas vezes se é privado de informações relativas à própria morte? Quantos já não tiveram o familiar a perdir para não contar nada ao morrente, independentemente da vontade dele? E aqui não digo que não seja revestida da melhor intenção de poupá-lo. Mas também quantas vezes não é nossa própria postura contar tudo aos familiares e nada ou pouco ao doente? Esperar, como se fosse dever do familiar ou acompanhante dar a notícia? Como poderá ele esclarecer dúvidas ou compartilhar planos terapêuticos ou paliativos?
Encaramos como se fosse um trauma muito grande e insuportável. E o é. Grande. Somente ocasionalmente insuportável. Por isso a máxima: "O paciente tem o direito de saber, não o dever de saber sobre sua condição", como já discutimos aqui (vale a pena reler! - Como dar notícias ruins?). Faz parte da relação médico-paciente essa avaliação e conduta. Não podemos nos furtar dela.
Estar ciente de sua finitude pode acelerar processos, fechar ciclos, fortalecer relações. Obrigados, perdões, reconciliações, adeus e últimas palavras podem não surgir quando assumimos a intenção de "poupar" quem morre, usando nossos valores e desconsiderando a possibilidade deles serem bem diferentes dos de quem morre. Não existe figura que possa advogar com maior propriedade sobre os interesses de quem morre: o próprio "morrente".
Então refletindo sobre a morte e o morrer, se pergunte: O que seria uma boa morte para você? Pode ser bem diferente do que você imagina para outros...
Sugiro, mais uma vez, assistir ao vídeo da Dra. Ana Cláudia Quintana Arantes. A morte é um dia que vale a pena viver.
Segue o artigo do NEJM:Parece que a morte e o morrer é algo a ser escondido. Percebem como muitas vezes se é privado de informações relativas à própria morte? Quantos já não tiveram o familiar a perdir para não contar nada ao morrente, independentemente da vontade dele? E aqui não digo que não seja revestida da melhor intenção de poupá-lo. Mas também quantas vezes não é nossa própria postura contar tudo aos familiares e nada ou pouco ao doente? Esperar, como se fosse dever do familiar ou acompanhante dar a notícia? Como poderá ele esclarecer dúvidas ou compartilhar planos terapêuticos ou paliativos?
Encaramos como se fosse um trauma muito grande e insuportável. E o é. Grande. Somente ocasionalmente insuportável. Por isso a máxima: "O paciente tem o direito de saber, não o dever de saber sobre sua condição", como já discutimos aqui (vale a pena reler! - Como dar notícias ruins?). Faz parte da relação médico-paciente essa avaliação e conduta. Não podemos nos furtar dela.
Estar ciente de sua finitude pode acelerar processos, fechar ciclos, fortalecer relações. Obrigados, perdões, reconciliações, adeus e últimas palavras podem não surgir quando assumimos a intenção de "poupar" quem morre, usando nossos valores e desconsiderando a possibilidade deles serem bem diferentes dos de quem morre. Não existe figura que possa advogar com maior propriedade sobre os interesses de quem morre: o próprio "morrente".
Então refletindo sobre a morte e o morrer, se pergunte: O que seria uma boa morte para você? Pode ser bem diferente do que você imagina para outros...
Sugiro, mais uma vez, assistir ao vídeo da Dra. Ana Cláudia Quintana Arantes. A morte é um dia que vale a pena viver.
Where We Die
David J. Rothman
PDF aqui.
Enviado via iPad de Rainardo
OBS: Os textos com marcadores "opinião" refletem o pensamento dos autores do texto e não necessariamente do serviço de Clínica Médica.
Muito bom, amigo! A morte é parte da vida, e não uma doença a ser tratada! Gde abraço!
ResponderExcluirOi amiga! Que bom ouvi-la! Grande abraço! :)
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