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domingo, 24 de março de 2013

Morte digna e cuidados paliativos

Cuidados Paliativos e Morte Digna frente aos eventos ocorridos no Hospital Evangélico de Curitiba.

Tenho a percepção de que as condutas da Dra. Virgínia Helena Soares de Souza, médica chefe da UTI do Hospital Evangélico de Curitiba e acusada de abreviar a vida de pacientes críticos e terminais, pode ter um outro efeito colateral negativo para a saúde da população que ultrapassa os muros daquele hospital e os pacientes atendidos naquela UTI.

As acusações são gravíssimas, devem ser rigorosamente apuradas e punidas exemplarmente de acordo com o resultado das investigações e julgamento. A população precisa ter uma resposta. Mas coloco aqui algumas reflexões que surpassam esse fato per si…

Meu receio é de que, com a forma de abordagem da mídia, a mensagem que se esteja passando esteja no caminho de nos levar a dar passos para trás na possibilidade de prover nossa população, especialmente do SUS, com cuidados paliativos de qualidade e morte digna.

Primeiro por parte dos familiares, que podem acreditar que o que se diz ter ocorrido naquele hospital seja algo corriqueiro, recorrente. Quando a isso se soma sentimentos decorrentes de relações interpessoais familiares conflituosas, como culpa, pode haver insistência na manutenção de quantidade de sinais vitais a todo custo, à custa da qualidade de vida, às vezes como tentativa de redenção. Podem-se fechar à comunicação com a equipe de saúde, considerando todos como engrenagens de uma máfia mercenária.

Segundo, por parte dos médicos, que podem ficar com medo de acusações administrativas, cíveis e penais nos conselhos e tribunais, e delegar aos familiares (já sob grande pressão) decisões eminentemente médicas, descarregando responsabilidades dos ombros sob o pretexto de respeitar o que querem familiares. Na verdade, não digo que se deve entrar em rota de colisão e confronto, mas sim, desprender e investir energia para alinhar interesses do paciente com da família através de cuidadosa comunicação sem tabus nem presunções ao abordar o tema.

Recomendo antes, esse breve artigo de Hélio Schwartsman, publicado no Folha de São Paulo em 02/03/13. Excepcionalmente preciso e conciso. Para reflexão…

Vale ainda ler o comunicado oficial da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).

Algumas reflexões...

1) MORTE E COMUNICAÇÃO
A carga emocional que rodeia a morte pode ser um campo propício para confusão e reações imprevisíveis. A melhor comunicação possível é necessária. É preciso investir tempo e energia nessa comunicação.

A morte (ou a iminência dela) é rodeada de uma grande carga emocional. Carga sobre o próprio paciente, sua família e amigos, além de todos profissionais de saúde que a eles se relacionam. Morte é usualmente uma notícia ruim, pois frustra uma expectativa futura. Discutimos em postagem anterior como dar notícias ruins, uma habilidade passível de treinamento, vale a pena reler.

É comum tentarmos fugir da morte nos pensamentos, palavras e/ou ações. Mas na medicina e na residência, ela é um fardo indissociável da prática, sendo, em algum dia, a evolução inexorável dos nossos pacientes (e nossa!).

Morte pode se tornar um tabu ainda maior se no nosso paradigma a considerarmos o selo definitivo do fracasso da função médica. Mas lembremos das palavras, na minha opinião ainda atuais, de Hipócrates ao definir o trabalho do médico:

“Curar quando possível, aliviar quase sempre, consolar sempre”

Então, para o médico, morte não pode ser sinônimo de fracasso em todas as ocasiões, de onde se procura distância a todo custo. Ainda mais porque, para os que cuidamos, o saber que “eu estou morrendo” ou que alguém está morrendo é importante para poder fechar muitas relações interpessoais. Pedir perdão e perdoar, agradecer, demonstrar o afeto, poder despedir-se, proferir seus desejos, discutir seus anseios… Quantos conseguem isso chegando perto da morte? E especialmente quantos conseguem isso descobrindo a morte a espreita no internamento?

Temos que ter habilidade e bom senso para poder conduzir paciente e família às corretas quantidade e velocidade de informação. Nem um cruel disparo não empático, nem uma covarde omissão para a ilusão. Mas infelizmente esse correto é cinza e subjetivo…


Em meio a esse emaranhado de emoções, torna-se mister ter a melhor comunicação possível, pois na proximidade da morte as emoções podem tornar-se confusas, algumas reações imprevisíveis e pode ser difícil manter a coerência. Por isso recomendo novamente a leitura do post de notícias ruins.

Elizabeth Kübler-Ross, já em 1969, descrevia os cinco estágios do luto: Negação, Raiva, Barganha, Depressão e Aceitação que corre em paralelo com a longitudinal ansiedade e medo do desconhecido. Nem todos passam por todos os estágios e nem mesmo nessa ordem. Mas uma semente como a possibilidade de um médico “estar matando” um familiar no SUS para dar lugar a um paciente privado é campo fértil para se criar um grande fantasma, um mito urbano (como o de acordar numa banheira  no exterior sem um rim, vítima de uma quadrilha que rouba órgãos).

Sabemos que a morte é irreversível, mas até quando priorizar, a todo custo, quantidade de vida em detrimento de qualidade de vida? Devemos envolver a família numa discussão com honestidade, bom senso e empatia. É direito dela questionar, pedir segunda opinião, mostrar seus receios. É nessa comunicação que precisamos investir tempo e energia.

Mas meu receio é que por medo, confusão e desinformação da famíla + a uma postura de medicina defensiva dos médicos, estejamos caminhando para o prolongamento da distanásia como forma de morrer…

2) Pra não ficar muito grande, em um próximo post trago definições de ortotanásia, distanásia, eutanásia e as principais legislações relacionadas ao tema…

Abraços,

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