TEMA do último CCC em 25/04/12
Caros,
Tivemos
no último CCC uma discussão interessante sobre o que chamamos "Alta a
pedido". Em nenhum momento vamos tratar aqui com propriedade de
especialista ou capacidade de dar juízo definitivo. Falo como quem
passou por essas situações, leu um pouco e teve a oportunidade de
discutir com um grande amigo advogado,
também sob a ótica do direito. Trata-se de opinião pessoal.
Começamos
o CCC lembrando dos princípios da bioética (beneficência, mal
maleficência, autonomia e justiça). Vê-se a alta a pedido como um
conflito clássico de beneficência versus autonomia.
Os
pareceres dos diversos conselhos estaduais e federal de medicina sobre o
tema não são poucos, incluindo do nosso CREMEC. Basta pesquisar o
Google com os tópicos "alta a pedido" e "pareceres" para encontrá-los.
Muitos são divergentes e tratam de maneira diferente, especialmente os
do CREMESP, mais antigos dos anos 90. Pro médico, o paciente que pede
alta a pedido vai ser uma situação do tipo perde-perde, pois não há um
instrumento simples ou impresso que isente o médico completamente das
consequências desse ato e o paciente não pode ser "preso" no hospital
contra sua vontade, pois estaríamos incorrendo em cárcere privado.
Entretanto, vale lembrar, que o paciente perde sua autonomia frente ao
risco iminente de morte. Há então uma possível "melhor conduta",
complexa, laborativa e que precisa ser minuciosamente registrada. A
única coisa a fazer é se munir de provas de estar respeitando o desejo do
paciente sem entretanto ser negligente, como falaremos adiante.
Começamos
já desmistificando uma coisa: a folha impressa "termo de alta a pedido"
assinada, mesmo que com testemunhas, não quer dizer muita coisa e não
isenta o médico de responsabilidade se alguns outros quesitos não forem
preenchidos e comprovados. Por esse motivo e para essa comprovação, é
essencial o registro preciso no prontuário. Como gosto de mneumônicos,
vai a sugestão de CRIE CART…
Para lembrar:
- C: capacidade de julgamento
- R: risco iminente de morte
- I: informação
- E: esclarecimento
- C: continuidade do cuidado
- A: acesso ao serviço médico
- R: registro preciso no prontuário
- T: termo de alta a pedido
Vamos então por tópicos:
CAPACIDADE DE JULGAMENTO
É
indispensável se certificar e registrar que o paciente encontra-se
plenamente capaz de julgar e decidir pela sua condição. Necessita estar
bem orientado (tempo, espaço, auto orientado) e com discurso coerente.
Situações que podem ser duvidosas como depressão, ideação suicida,
delirium ou desorientação podem ter decisão compartilhada com o serviço
de psiquiatria através de parecer. Lembrar que quem decide é o paciente,
que deve ter sua autonomia respeitada, mesmo contra a vontade de familiares.
RISCO IMINENTE DE MORTE
Não há uma definição precisa para "risco iminente de morte" e sua
interpretação pode ser subjetiva. De forma geral, indica que o paciente
apresenta uma condição em que se não houver intervenção nos próximos
minutos ou horas há probabilidade alta de evolução para óbito. Difere de
risco concreto de morte, em há a chance do evento ocorrer, mas não há
uma relação temporal precisa. Por exemplo, um paciente que veio para o
hospital e apresenta um cateterismo com 99% de obstrução em tronco de
coronária esquerda e está assintomático, apresenta um risco concreto,
mas não imediato (ele já estava com essa lesão há vários dias e
mantém-se assintomático). Difere de um paciente com hemorragia digestiva
alta, que progressivamente fica pálido, altera sinais vitais, fica
sonolento e segue com hematêmese… Nesse paciente, se espera que, caso
não haja intervenção, o resultado seja óbito em minutos ou horas. Pelo
código de ética médica, devemos intervir em casos assim, mesmo contra a
vontade do doente, passando por cima da sua autonomia e assumindo sua
tutela (Exemplo já bem batido das transfusões de sangue em testemunhas
de Jeová). Para dar alta, deve-se documentar no prontuário os sinais
vitais na hora da alta, um exame físico detalhado e os últimos exames
laboratoriais. De preferência, explicitar que não há risco iminente de
morte nesse momento. Caso haja risco iminente de morte, o paciente não
pode sair. Deve ser contido quer fisica ou quimicamente, se necessário.
Chamar segurança. Caso haja evasão sem o conhecimento do médico,
registrar boletim de ocorrência (que pode ser feito por via online em http://www. delegaciaeletronica.ce.gov.br/ beo/index.jsp), informando seu desaparecimento.
INFORMAÇÃO E ESCLARECIMENTO
Informação e esclarecimento são tão importantes, mas diferem um pouco no
conceito, tanto que são colocados como itens distintos. Informar
envolve passar a informação do contexto clínico e consequências de não
seguir terapêutica hospitalar, comunicando o prognóstico e possíveis
desfechos. Já esclarecer, depende da informação, mas implica em se
certificar que a pessoa sob cuidado absorveu a informação dada e foi
capaz de interpretá-la e compreendê-la. A linguagem precisa ser clara e
acessível. Recurso que podem ajudar nessa hora é solicitar que o
paciente parafraseie as sentenças. É interessante perguntar ativamente
ao final: - "Senhor Fulano, o que pode acontecer com o senhor, caso o
senhor vá embora hoje?".
CONTINUIDADE DO CUIDADO
Apesar de estar saindo do hospital contra a orientação médica, não
implica que esse paciente tenha desistido de tratar sua doença ou
condição. É boa prática fazer o máximo no que também poderia ser chamado
de "controle de danos". Prescrever todas as medicações necessárias,
mesmo que não sejam as ideais e justificar. Fornecer receita. Pareceres
antigos do CREMESP entendiam que alta a pedido era igual a abandono de
tratamento e o médico estaria desobrigado inclusive de fornecer receita
médica. Não é o melhor entendimento atualmente. É interessante fazer
relatório detalhado sobre doença, terapêutica e cronologia (de
preferência em via carbonada com cópia no prontuário) para acompanhar o
paciente e facilitar um atendimento em serviço de emergência, por
exemplo.
ACESSO AO SERVIÇO DE SAÚDE
Não há obrigatoriedade de se "reservar" leito para um possível retorno
do paciente. Entretanto, é interessante facilitar o acesso ao serviço de
saúde desse paciente, nem que através de orientações simples como qual o
melhor serviço de emergência para atendê-lo ou nome de medicações que
utiliza ou passar informações para um médico que venha a atendê-lo em
emergência. Sempre dou meu contato telefônico, pois facilita a
comunicação.
REGISTRO
Fundamental para a defesa e comprovação da boa prática médica. Tudo deve
ser minuciosamente detalhado e descrito no prontuário. O paciente pode,
inclusive, escrever de próprio punho carta informando a situação, que
foi esclarecido, que compreende a situação, mas decide por saída do
hospital. Duas testemunhas, preferencialmente que não sejam funcionários
do hospital, devem assinar conjuntamente, se possível. Por exemplo,
familiares do paciente ou acompanhantes de outros pacientes na
enfermaria. Outro recurso interessante para registro é a gravação em
áudio ou vídeo, com autorização do paciente, para fazer prova de seu
estado mental e vontade, conjuntamente com os familiares.
TERMO DE ALTA A PEDIDO CONTRA ORIENTAÇÃO MÉDICA
Pode ser preenchido como mais um documento a comprovar todos os passos acima mencionados. Isoladamente, sem que se consiga comprovar os fatos acima, não tem grande valia. Atualização: Para deixar claro, conforme comentário do amigo Marcelo Rocha, lembrar que Alta é um ato médico que não pode ser delegado. O que se faz é simplesmente aceitar a autonomia do paciente e não prendê-lo no hospital, contra sua vontade, desde que não esteja sob risco de morte iminente.
Então é isso. Espero que tenha ajudado um pouco ao menos a traçar uma estratégia quando casos como esse ocorram.
Abraços.
Foi bastante esclarecedos, Rainard. Obrigada! Mas eu tenho uma pergunta: mesmo fazendo todo estes procedimentos que você comentou, o médico estaria bem munido de argunmentos, caso ocorra algum processo?
ResponderExcluirObrigada mais uma vez
Aline
Olá boa tarde
ResponderExcluirEm caso de alta pedida o paciente tem direito ao atestado médico pelo tempo que ficou internado...
Pergunto isso pq. Foi negado o atestado ao meu marido quando ele solicitou a alta pedida.
Att.Antonia