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terça-feira, 8 de maio de 2012

"Alta a pedido" - O que fazer nessa situação?

TEMA do último CCC em 25/04/12

Caros, 

Tivemos no último CCC uma discussão interessante sobre o que chamamos "Alta a pedido". Em nenhum momento vamos tratar aqui com propriedade de especialista ou capacidade de dar juízo definitivo. Falo como quem passou por essas situações, leu um pouco e teve a oportunidade de discutir com um grande amigo advogado, também sob a ótica do direito. Trata-se de opinião pessoal.
Começamos o CCC lembrando dos princípios da bioética (beneficência, mal maleficência, autonomia e justiça). Vê-se a alta a pedido como um conflito clássico de beneficência versus autonomia.


Os pareceres dos diversos conselhos estaduais e federal de medicina sobre o tema não são poucos, incluindo do nosso CREMEC. Basta pesquisar o Google com os tópicos "alta a pedido" e "pareceres" para encontrá-los. Muitos são divergentes e tratam de maneira diferente, especialmente os do CREMESP, mais antigos dos anos 90. Pro médico, o paciente que pede alta a pedido vai ser uma situação do tipo perde-perde, pois não há um instrumento simples ou impresso que isente o médico completamente das consequências desse ato e o paciente não pode ser "preso" no hospital contra sua vontade, pois estaríamos incorrendo em cárcere privado. Entretanto, vale lembrar, que o paciente perde sua autonomia frente ao risco iminente de morte. Há então uma possível "melhor conduta", complexa, laborativa e que precisa ser minuciosamente registrada. A única coisa a fazer é se munir de provas de estar respeitando o desejo do paciente sem entretanto ser negligente, como falaremos adiante.

Começamos já desmistificando uma coisa: a folha impressa "termo de alta a pedido" assinada, mesmo que com testemunhas, não quer dizer muita coisa e não isenta o médico de responsabilidade se alguns outros quesitos não forem preenchidos e comprovados. Por esse motivo e para essa comprovação, é essencial o registro preciso no prontuário. Como gosto de mneumônicos, vai a sugestão de CRIE CART… 

Para lembrar:
  • C: capacidade de julgamento
  • R: risco iminente de morte
  • I: informação
  • E: esclarecimento
  • C: continuidade do cuidado
  • A: acesso ao serviço médico
  • R: registro preciso no prontuário
  • T: termo de alta a pedido
Vamos então por tópicos:

CAPACIDADE DE JULGAMENTO

É indispensável se certificar e registrar que o paciente encontra-se plenamente capaz de julgar e decidir pela sua condição. Necessita estar bem orientado (tempo, espaço, auto orientado) e com discurso coerente. Situações que podem ser duvidosas como depressão, ideação suicida, delirium ou desorientação podem ter decisão compartilhada com o serviço de psiquiatria através de parecer. Lembrar que quem decide é o paciente, que deve ter sua autonomia respeitada, mesmo contra a vontade de familiares.

RISCO IMINENTE DE MORTE

Não há uma definição precisa para "risco iminente de morte" e sua interpretação pode ser subjetiva. De forma geral, indica que o paciente apresenta uma condição em que se não houver intervenção nos próximos minutos ou horas há probabilidade alta de evolução para óbito. Difere de risco concreto de morte, em há a chance do evento ocorrer, mas não há uma relação temporal precisa. Por exemplo, um paciente que veio para o hospital e apresenta um cateterismo com 99% de obstrução em tronco de coronária esquerda e está assintomático, apresenta um risco concreto, mas não imediato (ele já estava com essa lesão há vários dias e mantém-se assintomático). Difere de um paciente com hemorragia digestiva alta, que progressivamente fica pálido, altera sinais vitais, fica sonolento e segue com hematêmese… Nesse paciente, se espera que, caso não haja intervenção, o resultado seja óbito em minutos ou horas. Pelo código de ética médica, devemos intervir em casos assim, mesmo contra a vontade do doente, passando por cima da sua autonomia e assumindo sua tutela (Exemplo já bem batido das transfusões de sangue em testemunhas de Jeová). Para dar alta, deve-se documentar no prontuário os sinais vitais na hora da alta, um exame físico detalhado e os últimos exames laboratoriais. De preferência, explicitar que não há risco iminente de morte nesse momento. Caso haja risco iminente de morte, o paciente não pode sair. Deve ser contido quer fisica ou quimicamente, se necessário. Chamar segurança. Caso haja evasão sem o conhecimento do médico, registrar boletim de ocorrência (que pode ser feito por via online em http://www.delegaciaeletronica.ce.gov.br/beo/index.jsp), informando seu desaparecimento.

INFORMAÇÃO E ESCLARECIMENTO

Informação e esclarecimento são tão importantes, mas diferem um pouco no conceito, tanto que são colocados como itens distintos. Informar envolve passar a informação do contexto clínico e consequências de não seguir terapêutica hospitalar, comunicando o prognóstico e possíveis desfechos. Já esclarecer, depende da informação, mas implica em se certificar que a pessoa sob cuidado absorveu a informação dada e foi capaz de interpretá-la e compreendê-la. A linguagem precisa ser clara e acessível. Recurso que podem ajudar nessa hora é solicitar que o paciente parafraseie as sentenças. É interessante perguntar ativamente ao final: - "Senhor Fulano, o que pode acontecer com o senhor, caso o senhor vá embora hoje?".

CONTINUIDADE DO CUIDADO

Apesar de estar saindo do hospital contra a orientação médica, não implica que esse paciente tenha desistido de tratar sua doença ou condição. É boa prática fazer o máximo no que também poderia ser chamado de "controle de danos". Prescrever todas as medicações necessárias, mesmo que não sejam as ideais e justificar. Fornecer receita. Pareceres antigos do CREMESP entendiam que alta a pedido era igual a abandono de tratamento e o médico estaria desobrigado inclusive de fornecer receita médica. Não é o melhor entendimento atualmente. É interessante fazer relatório detalhado sobre doença, terapêutica e cronologia (de preferência em via carbonada com cópia no prontuário) para acompanhar o paciente e facilitar um atendimento em serviço de emergência, por exemplo.

ACESSO AO SERVIÇO DE SAÚDE

Não há obrigatoriedade de se "reservar" leito para um possível retorno do paciente. Entretanto, é interessante facilitar o acesso ao serviço de saúde desse paciente, nem que através de orientações simples como qual o melhor serviço de emergência para atendê-lo ou nome de medicações que utiliza ou passar informações para um médico que venha a atendê-lo em emergência. Sempre dou meu contato telefônico, pois facilita a comunicação.

REGISTRO

Fundamental para a defesa e comprovação da boa prática médica. Tudo deve ser minuciosamente detalhado e descrito no prontuário. O paciente pode, inclusive, escrever de próprio punho carta informando a situação, que foi esclarecido, que compreende a situação, mas decide por saída do hospital. Duas testemunhas, preferencialmente que não sejam funcionários do hospital, devem assinar conjuntamente, se possível. Por exemplo, familiares do paciente ou acompanhantes de outros pacientes na enfermaria. Outro recurso interessante para registro é a gravação em áudio ou vídeo, com autorização do paciente, para fazer prova de seu estado mental e vontade, conjuntamente com os familiares.

TERMO DE ALTA A PEDIDO CONTRA ORIENTAÇÃO MÉDICA

Pode ser preenchido como mais um documento a comprovar todos os passos acima mencionados. Isoladamente, sem que se consiga comprovar os fatos acima, não tem grande valia. Atualização: Para deixar claro, conforme comentário do amigo Marcelo Rocha, lembrar que Alta é um ato médico que não pode ser delegado. O que se faz é simplesmente aceitar a autonomia do paciente e não prendê-lo no hospital, contra sua vontade, desde que não esteja sob risco de morte iminente.

Então é isso. Espero que tenha ajudado um pouco ao menos a traçar uma estratégia quando casos como esse ocorram.

Abraços.

2 comentários:

  1. Foi bastante esclarecedos, Rainard. Obrigada! Mas eu tenho uma pergunta: mesmo fazendo todo estes procedimentos que você comentou, o médico estaria bem munido de argunmentos, caso ocorra algum processo?
    Obrigada mais uma vez
    Aline

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  2. Olá boa tarde
    Em caso de alta pedida o paciente tem direito ao atestado médico pelo tempo que ficou internado...
    Pergunto isso pq. Foi negado o atestado ao meu marido quando ele solicitou a alta pedida.

    Att.Antonia

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